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1 de março de 2011

O Último

A tela se ilumina; uma linha fina separa os dois hemisférios da tela. Um ruído vagamente marinho acompanha a imagem que se forma. Um rosto que não ‚ humano aparece, encarando o Homem.
_às suas ordens-disse a Máquina.
O Homem se espreguiça, sentindo uma leve brisa que entra pela janela. Sem tirar os olhos da tela, o Homem Fala:
_Você pode me ajudar?
_Depende.
A Máquina sabe lidar com perguntas ambíguas.
_Por favor -disse o Homem- eu preciso saber. Durante três gerações minha família esteve morando neste abrigo. Meu avô avisou meu pai que me avisou sobre o perigo por detrás das paredes; ele falou do Grande Nada, contou da Morte Invisível, que mata sem você sentir. Mas agora, quando a armação de concreto caiu e desobstruiu a janela, eu pensei que iria morrer, e não morri.
Enquanto o Homem dava uma pausa para respirar, a Máquina analisava a informação que havia recebido, comparava com ordens programadas em seu cérebro de cristal antes da guerra, e tomava decisões.
_Eu acho -disse o Homem- que a Morte Silenciosa Só vai me atingir se eu for l  fora. O que você acha?
Uma pausa invulgar de quase um segundo demonstrou o quanto a máquina demorou a tomar uma decisão:
_Você ‚ o último Homem. Todos já se foram. Tudo que foi dito por seu pai ‚ verdade. Não há  nada lá  além da Morte Silenciosa.
_Então o que eu vejo?
_Você vê o que eu projeto. Aquilo é uma tela. Os Antigos prepararam para mostrar como era o mundo antes do Fim.
Quase desesperado, o Homem suplicou:
_Mas e o vento, e os cheiros, ruídos? Eu ouço sons como os discos de pássaros. Eu vi nos vídeos. Eu sei que são pássaros.
_São discos. Eu usei robôs de manutenção para instalar ventiladores. Todas as essências aromáticas são trazidas do armazém químico. Não há nada lá, último Homem. Esqueça e aproveite sua vida.
Depois de meses nutrindo coragem e esperança, ele não podia aceitar aquilo. Mas a Máquina era definitiva:
_Mesmo que houvesse algo, você não poderia chegar até lá. Não há  portas, o abrigo é fechado. Esta torre tem mais de cinquenta metros. Desista, por favor. Tente ser feliz no mundo que você sempre conheceu!
Ao mesmo tempo em que gritava, tentando negar a verdade da Máquina, o Homem atirava a tela na parede. Quando a última fagulha se apagou, ele viu que estava só. A máquina que havia sido sua única companhia nos últimos anos estava morta.
Mas havia algo que podia ser feito. Enquanto se comprimia contra a parede oposta… mirando a janela, ele pensou na Máquina. Ela nunca havia mentido. Ela mentiu sempre. Só havia um jeito de saber. Tomando impulso, o Homem se lançou no vazio.
Seus últimos pensamentos foram sobre o gosto da terra misturada com sangue, o cheiro da grama que ele acariciava com suas últimas forças, e sobre o Mundo, que havia sobrevivido ao Homem. Como poucos, ele morreu com um sorriso nos lábios.

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